O empresário que esteve no centro do furacão que varreu o Sistema Financeiro da Habitação e o BNH nos anos 1980 diz que a célebre crise do mercado imobiliário de baixa renda nos EUA teve sua versão brasileira
Por Eugênio Esber
Pericles-Druck-350 - Nas quase três décadas que se passaram desde a intervenção do Banco Central no Banco Habitasul, em 1985, Péricles de Freitas Druck reestruturou seus negócios. Alijado do mercado financeiro, onde atuou captando poupança e concedendo crédito imobiliário para quase 2 milhões de clientes nos três Estados do sul, Péricles passou a operar empreendimentos voltados para a alta renda, entre eles Jurerê Internacional, em Florianópolis, o cartão postal do Grupo Habitasul. E fez uma incursão estratégica pela indústria, com a compra da Celulose Irani, hoje a grande fonte de caixa do grupo, com faturamento de R$ 621 milhões e lucro de R$ 26 milhões em 2012. Nesta entrevista (cuja versão integral está em AMANHÃ digital), Péricles critica os rumos do crédito imobiliário para a baixa renda no Brasil e vê na tolerância à inadimplência a repetição de um erro histórico que minou o Sistema Financeiro da Habitação. “Foi o subprime brasileiro”, compara.
Os níveis de preços no mercado imobiliário não estão exagerados?
Na minha percepção, estão exagerados, sim. Subiram muito há dois ou três anos, e se estabilizaram em níveis ainda altos, que vêm sendo “reduzidos” pela inflação. Com exceção, evidentemente, dos produtos imobiliários absolutamente diferenciados em áreas de excepcional valorização. Em alguns segmentos comerciais, por excesso de oferta, os preços tendem a cair.
A decisão da Caixa de ampliar os limites de uso do FTGS para financiamento habitacional poderá empurrar os preços para níveis mais altos?
Todo estímulo financeiro que aumente a capacidade de pagamento do comprador aquece a demanda e, portanto, pressiona os preços – especialmente quando a oferta não acompanha. Mas apesar disso não creio que a medida produza esse efeito. E por uma razão: os limites de uso do FGTS não acompanharam os aumentos dos preços dos imóveis. Por isso, eu entendo que é um reajuste oportuno, compatível com a movimentação do mercado num momento de desaceleração.
Os atrasos nas entregas de imóveis indicam alguma fragilidade na estrutura de capital das incorporadoras para dar conta da entrega dos empreendimentos?
Os atrasos são consequência da explosão no crescimento, do volume simultâneo de obras. A infraestrutura, a logística global da realidade brasileira e as próprias empresas não estavam preparadas. Faltou capital de giro, faltou mão de obra qualificada e não qualificada, faltou material, insumos, transporte. As obras atrasaram... Os custos, pela repentina demanda, aumentaram e, em muitos casos, as vendas já estavam feitas e os preços fixados, o que reduziu substantivamente as margens das incorporadoras e das construtoras e parte delas teve de absorver prejuízos. A verdade é que a indústria da construção civil habitacional no Brasil, com algumas exceções, ainda é majoritariamente uma grande manufatura, protagonizada por médias e pequenas empresas. Sem querer fazer uma crítica pessoalizada, é um segmento que deixa a desejar em estrutura industrial, até pelo baixo nível de padronização de projetos, materiais, serviços e mecanização.
Há uma bolha imobiliária em formação no Brasil?
Não há uma bolha em formação. Ao contrário, há uma estabilização de preços e, em alguns segmentos e regiões, uma desaceleração. O mercado imobiliário é historicamente cíclico. Repetem-se os ciclos de alta, com aceleração de vendas e preços, e os ciclos de desaquecimento. O setor tem épocas de ”vacas gordas e de vacas magras”, para quem compra e para quem vende, só que com sinal contrário. Estou ligado a esse mercado há 45 anos. Já vi este filme das bolhas “em preto e branco”, em “ technicolor” e agora o vejo digitalizado. Mas é o mesmo filme. Há uma certa tendência espasmódica, sobretudo no que se refere aos ciclos de alta. O crescimento é por degraus, às vezes saltos. Os superaquecimentos do mercado, que produzem as “bolhas”, vêm de distorções que decorrem da exacerbação irracional tanto da demanda quanto da oferta. Essas crises, como já disse, são recorrentes e periódicas. A mais recente e conhecida foi a do mercado imobiliário norte-americano.
Há risco de o Brasil passar por uma crise como a do mercado subprime norte-americano?
No Brasil, também tivemos o nosso subprime. Ele atende pelo nome de crise do Sistema Financeiro da Habitação, o SFH, que era liderado pelo Banco Nacional da Habitação. O BNH, que foi criado em 1964 e impulsionado nos anos 1970, trouxe para o Brasil o crédito imobiliário de longo prazo, através de um sofisticado sistema autossustentado e autoinsuflado de crédito habitacional. Em 20 anos, isto é, até meados dos anos 1980, o SFH financiou a construção e a aquisição de mais de 4 milhões de moradias, reduzindo um déficit habitacional que era estimado em 9,5 milhões de habitações para a atual estimativa, de 5,5 milhões de moradias. No auge, os ativos do SFH atingiram 50 bilhões de dólares. Era o quarto maior sistema financeiro habitacional do mundo, atrás apenas de EUA, Alemanha e Inglaterra. Foi o primeiro grande impulso organizado de mobilização da economia brasileira depois da industrialização.
E onde está o nexo entre o que aconteceu com o BNH e a crise do subprime nos Estados Unidos?
É que o Sistema Financeiro da Habitação teve também a sua crise, que culminou com a liquidação e extinção do BNH em 1986. A crise foi produto de uma série de equívocos, incompetências e vontades políticas comprometidas. O Plano Nacional da Habitação foi filho dileto da chamada revolução de 1964 e, por coincidência ou não, a primeira vítima da abertura. Novos interesses econômicos e seus novos lobbies prevaleceram, nem sempre em favor dos resultados coletivos. O subprime brasileiro seguiu o modelo americano: inadimplência crescente dos mutuários do SFH, queda do preço dos imóveis, contaminação e crise no sistema bancário, com a consequente extinção do BNH e do sistema que o banco liderava e normatizava. Os ativos e passivos foram assumidos pela Caixa Econômica Federal, que os administra com o objetivo de promover a sua liquidação. A solução encontrada não é nem a mais inteligente nem a mais efetiva social e economicamente. Essa enorme massa de créditos é gerida de um modo que produz custos, ao invés de novas riquezas. A diferença entre o subprime americano e o brasileiro está na sua origem: o de lá é produto da cobiça privada, de empresas que, buscando escala e lucro, assumiram riscos temerários. E o nosso é produto da cobiça dos políticos que, com sucessivas medidas e leis, estabeleceram a leniência na cobrança das prestações, as reduções pontuais de encargos e suas expectativas futuras, os subsídios indiscriminados. O resultado foi o incentivo à inadimplência e o desequilíbrio financeiro e econômico do SFH, que hoje está praticamente em liquidação.
O que resta do SFH?
Costumo dizer que mataram o BNH, mas não enterraram o cadáver. O cadáver está aí, assombrando, até hoje... Aqueles créditos continuam girando, alguns sendo cobrados, outros não...
O aumento da inadimplência no programa Minha Casa Minha Vida indica problemas estruturais no modelo, capazes de ameaçar sua sustentação econômica?
A nova experiência do programa Minha Casa Minha Vida é toda bancada com recursos oficiais, subsidiados. Fica na conta do erário. E a operação é realizada majoritariamente pela Caixa Econômica Federal, que repassa os financiamentos aos interessados, além de financiar as obras dos conjuntos habitacionais aos construtores. Infelizmente, é histórica a complacência brasileira com o retorno dos financiamentos de baixa renda. Foi assim com a Fundação da Casa Popular, no governo de Getúlio Vargas. Foi assim com programas de financiamento sem correção monetária da Caixa Econômica Federal. Foi assim, em menor grau, com o Sistema Financeiro da Habitação. Predominam as considerações de natureza social sobre a importância da casa própria na estabilidade das famílias, o que é absolutamente verdadeiro. E por isso os créditos são concedidos já sem a preocupação de cobrá-los. O retorno do crédito, que seria importante para a continuidade dos financiamentos, não importa tanto quanto o efeito social, econômico e político da concessão...
Haveria como ser diferente no caso de financiamentos para a baixa renda?
Os financiamentos habitacionais dirigidos às famílias de baixa renda, onde está o maior déficit de moradias e a maior demanda, têm esta característica de depender absolutamente dos recursos públicos, ou seja, dos subsídios concedidos pelo governo. É a única forma de compatibilizar a capacidade de pagamento de uma família de baixa renda com o montante do crédito necessário. Portanto, nada contra programas de acesso gratuito às moradias, desde que orçados e apropriados como tal nas contas públicas. E desde que, obviamente, os orçamentos públicos suportem a carga extraordinária de gastos, que nascem como financiamentos subsidiados, e que terminam como custo integral, além do previsto e autorizado.
Qual a diferença entre o modelo Minha Casa Minha Vida e o do velho SFH?
O Sistema Financeiro da Habitação, liderado pelo BNH, tentou atrair as instituições financeiras privadas para o crédito de interesse social, estruturando subsídios e garantias ao comprador da casa própria. Pretendia dar velocidade... E agregar investimentos do setor privado para esse segmento da habitação popular, adicionalmente aos recursos oficiais e das instituições públicas. Além disso, o SFH utilizava as instituições privadas para repassar os financiamentos oficiais. E essas instituições privadas deveriam dar garantias a esses financiamentos oficiais. Naquele tempo, havia uma ideia de que a casa não tinha de ser dada. Tinha de ser comprada, financiada e paga... Não fosse o exagero dos subsídios e perdões concedidos, que desequilibraram o sistema, poderia ter dado certo.
Como você está vendo a condução da política econômica brasileira?
Já me preocupou mais. No início do governo Dilma, tive receio de que o governo fosse descambar para determinadas políticas... Toda vez que você começa a fazer intervenções pontuais, reduzir o imposto de um tipo de produto, desonerar aqui, desonerar ali, se sabe quando começa mas não se sabe quando nem como termina. Porque começa a desorganizar o mercado. O mercado tem o seu equilíbrio, e aliás, ele procura o seu ponto de equilíbrio naturalmente. Então, é melhor deixar que ele flua. E fazer intervenções inteligentes e, de preferência, não pontuais... Porque desonerar um setor e não desonerar o outro? Quem é que decide isso? Por quê? Porque este é amigo? Eu até nem acredito que seja por isso. É porque pura e simplesmente existem no governo alguns executivos que acreditam nessas intervenções pontuais como sendo construtivas. Mas elas não são, porque desorganizam o mercado. No entanto, como eu disse, já estive mais preocupado, porque pensei que isso ia recrudescer, e não recrudesceu. A não ser....
A não ser...
A não ser que eu esteja enganado e que esse tipo de medida esteja apenas sendo represada para que o saco de bondades vá estourar em 2014... O fato é que me preocupam essas intervenções pontuais. Nós já vimos esse filme, e não tem como dar certo. De repente, até começa a faltar dedo para o processo de manipulação.
Como deve ser o papel do governo, do capital privado nacional e do capital estrangeiro nos investimentos?
Uma das coisas que estão absolutamente claras é que o modelo de estimular o consumo, como caminho para desenvolver a economia, se esgotou. Deu. Cumpriu a sua função. Isso é da época Lula... O Lula é um sensitivo, e um sensitivo de sorte. Agora, o que temos de tratar é de criar condições para investimento na atividade produtiva, para que a empresa e sobretudo a indústria brasileira volte a ser competitiva. É preciso uma maior abertura para qualquer espécie de capital que aceite as regras de parceria que lhe sejam propostas, sejam PPPs, sejam investimentos via concessões... Desde que o governo não diga que o máximo de lucro que se possa ter é tanto... Desde que não tente tabelar o lucro. As primeiras declarações do governo foram desastrosas, tentando limitar o ganho, fixar o máximo de lucro... Puxa, que no mínimo se deixe o empresário decidir... O máximo de lucro que o governo está disposto a aceitar pode ser até maior que aquele que o empresário está planejando ganhar... Mas a questão não é o número, é o posicionamento. Ou é iniciativa privada, ou não é iniciativa privada. Mas tenho a impressão que o governo foi advertido. Tem gente competente, com a cabeça no lugar, circulando pelos gabinetes...
Essa corrente está ocupando mais espaço no governo?
Não sei dizer, mas sinto que houve um recuo em relação a uma tendência mais intervencionista que ameaçou predominar no início do governo Dilma... Acho que houve uma correção, um ajuste de percurso.
Como foi o processo de reestruturação dos seus negócios ao longo das últimas décadas?
Minhas empresas tiveram reinvenções sucessivas. A minha primeira investida relevante foi no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, o Sistema Financeiro de Habitação, aquele sistema criado pelo BNH em 1964. E no fim da década de 60 eu me apaixonei pelo sistema e passei a ser um dos apóstolos, vamos dizer assim. O Brasil não tinha um sistema financeiro de habitação. Não havia financiamento. Fui aos EUA, fui à Alemanha, ver como é que funcionava. E ajudamos a criar e a por de pé este sistema através de uma associação de classe, a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança, da qual fui presidente regional e vice-presidente nacional. E, como apaixonado que era por este sistema de crédito e poupança, nosso grupo teve uma participação relevante.
Que participação o Grupo Habitasul chegou a ter neste mercado?
Nós chegamos a ter quase 2 milhões de clientes, entre cadernetas de poupança e financiamentos imobiliários, num raio que abrangia os três Estados do Sul. Era um sistema independente, criado com base no modelo americano, em que as empresas de crédito imobiliário deveriam ser independentes dos bancos, e focadas só nesta atividade. Era o tempo em que havia a separação entre as empresas de crédito, as de financiamento e as de investimento. Este nosso empreendimento foi muito bem sucedido. Crescemos bastante. Mas eis que na década de 80 veio a crise do Sistema Financeiro da Habitação, de certa forma apoiada e solucionada pelo processo de conglomerização.
Como assim?
O sistema de crédito imobiliário e poupança passou de empresas independentes, como a nossa, para os grandes bancos. Eles reagiram ao fato de que, num primeiro momento, não tinham acreditado no sistema de poupança. Afinal, o sistema bancário convencional estava ganhando dinheiro... porque iriam entrar na aventura, entre aspas, de implantar caderneta de poupança? Mas o sistema de poupança e empréstimo deu muito certo, e no fim foi uma explosão de marketing incrível. Então, como eu disse, os bancos apoiaram e solucionaram a crise do SFH, dentro da idéia de conglomerização, ou seja, o sistema de crédito imobiliário e poupança passaria para as mãos dos grandes conglomerados financeiros. Havia vantagens e desvantagens neste tipo de concentração, mas esta solução foi a que acabou prevalecendo. As empresas independentes de crédito imobiliário, como a nossa, foram adquiridas ou perderam espaço mercadológico. Saímos do jogo.
O fim de uma era?
É... se encerrava ali a primeira fase de nossos negócios: crédito imobiliário e poupança. Aí nós, como empresa, nos nos reinventamos, criando um modelo chamado de repassadoras... Ou seja, começamos a fazer o que a gente via que acontecia no mundo inteiro, onde havia empresas de gestão de crédito hipotecário. Porque este é um tipo de crédito de longo prazo e, por isso, precisa de uma gestão permanente. De 8 a 12% de um universo de créditos concedidos ao mutuário final gira - ou porque a pessoa morre, ou porque casa, ou porque os filhos casam... Enfim, esta mobilidade na carteira de crédito te dá um trabalho de gestão... Então nós nos reinventamos criando uma grande gestora de crédito hipotecário que chegou a ter quase 100 mil créditos de longo prazo sob gestão. Um negócio bom, um negócio rentável...
Que empresa prestava este serviço?
A mesma Habitasul Crédito Imobiliário. Só que, em vez de captar poupança e aplicar, nós fazíamos a gestão de créditos próprios e de terceiros. Um modelo que existe no mundo. Ninguém inventou, como ninguém inventa a batata frita... A administração desses créditos era uma forma de se reorganizar o mercado, e foi no que apostamos. Eu trabalhei muito com isso, e num primeiro momento esse modelo funcionou bem – até que a Caixa resolveu trazer para ela todo o processo de gestão de crédito hipotecário, à medida em que os créditos do sistema financeiro de habitação acabaram tendo subsídios do governo...
Foi uma estatização?
Sim, o sistema de gestão de crédito imobiliário acabou sendo estatizado via administração da Caixa na medida em que os créditos contavam com uma garantia do governo. Uma garantia dada pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais. Como o Fundo não tinha mais recursos, e havia o aval do governo, acabou virando conta do erário. Bem brasileira esta história, não é? Bem, mas quando eu vi que a gestão de crédito hipotecário tinha seu prazo, e que em vez de virar um negócio crescente, como em outros países, seria levada a um processo de estatização em que tudo iria para a Caixa, eu comecei a pensar em um novo negócio. Nós iríamos passar pela nossa segunda reinvenção...
Uma reinvenção fora do mercado imobiliário?
Eu sempre tive a área imobiliária como o nosso negócio original. Só que o negócio imobiliário nosso tem um sentido patrimonial. Ele não é um negócio agressivo. É patrimonial: urbanizamos terras, fazemos desenvolvimento de destinos (por exemplo Jurerê Internacional), place making... Nós fazemos desenvolvimentos de grandes áreas urbanas ou de resorts, mas sem a preocupação de dar velocidade e sim de dar consistência patrimonial e bons resultados. Então, ao lado desses negócios imobiliários que sempre existiram, eu achava que nós tínhamos que ter um outro negócio com as características que vêm das nossas inclinações filosóficas e institucionais. Ou seja, que fosse um negócio de base patrimonial sólida, ligado à economia real - e com a visão de longo prazo. Se você analisar nossos negócios não vai ver nenhum que a característica do chuveiro frio, aquele em que se entra correndo e se sai correndo...
E por que a opção pela indústria?
Eu comecei a pensar em comprar uma empresa para entrar em um negócio diferente. Minha visão era de que em nosso país era preciso entrar em um negócio que tivesse um hedge primário importante para enfrentar os desafios do Custo Brasil que existem da porteira para fora, onde você não tem estrada, o juro é alto, o custo de mão–de-obra é maior... enfim, estas coisas. Busquei várias alternativas. E concluí que estes setores primários de base florestal tinham esta característica que eu buscava. E aí fui procurar uma empresa dentro dessa linha de aumentar o desafogo futuro. E a Irani era esta empresa. Era uma empresa integrada: tinha uma certa autossuficiência de energia na época, com suas pequenas hidrelétricas próprias; produzia celulose, produzia papel, tinha floreta... Era pequena mas tinha um grau de sustentabilidade intrínseco. Compramos e e a partir daí começamos a desenvolver com calma.
Como foi o início?
Eu não era do ramo... Quando eu comprei, em 1994, 95, eu obviamente me assessorei de um banco com expertise neste assunto, fizemos as avaliações, exames e as due dilligences cabíveis para um negócio que eu não conhecia. Justamente para não comprar gato por lebre, não ser surpreendido. Porque é preferível pagar antes do que depois. E aí fui buscar um executivo experiente, um alemão com muitos anos de Brasil, muitos anos de setor. E ele começou a criar e a implantar um padrão de gestão industrial, autocrático, como todo bom alemão, pondo ordem na produção. Claro que na segunda fase, a fase de marketing, não era mais o alemão...
Qual é o peso da Celulose Irani nos negócios do grupo, hoje?
Hoje, a Irani gera a maior parte dos resultados. Por uma razão: nossos negócios imobiliários são majoritariamente patrimoniais. Nós temos uma land base importante, temos grandes áreas em Porto Alegre, no interior do Rio Grande do Sul, em Florianópolis... Áreas que vamos desenvolver quando isso se torne interessante. Não é o modelo usual das empresas que estão no mercado imobiliário, especialmente daquelas que estão no mercado de ações. Estas estão preocupados em construir e vender, construir e vender, gerar altíssimos VGVs (valor geral de vendas) e girar dinheiro. Não é nossa posição. Nossa posição é patrimonial. Com um acréscimo: nós apostamos na valorização das nossas áreas e naquilo que estamos construindo, como infra-estrutura, para mudar o patamar de valor destas áreas. Não vendemos o lote. O lote vai de brinde.
De brinde?
Nós vendemos uma causa. Atraímos nossos compradores com um conceito: o conceito de qualidade de vida, de bem viver, e de participar da gestão comunitária do empreendimento. É o conceito de que você é o responsável pela qualidade de vida que quer ter. Não pode ficar esperando pelo governo. Um outro ponto é que fugimos desta situações periódicas de boom imobiliário. Quando o boom começa, nós recuamos. Deixamos passar. Os booms tem uma característica interessante: eles botam os preços para cima. Como nós não estamos precisando vender...
A integração de uma indústria a um grupo que atuava só na área imobiliária não foi complicada?
A dona da Irani era da Cooperativa Vinícola Riograndense. A cultura da Irani, embora tivesse até passado por uma concordata, era parecida com a nossa, e acho isso importante. Porque é ruim comprar uma empresa com uma cultura muito diferente. É ruim para a empresa que é comprada, e é um desgaste para a empresa que compra.... E o pior é que a cultura fica grudada na parede, não é? Você pode demitir todo mundo, e não adianta. Mas a Irani tinha uma cultura boa, gente com amor à empresa. Então começamos a trabalhar. Hoje é uma empresa com nível de governança reconhecidamente privilegiado no país. E é uma empresa que tem sido até assediada nestes processos de aumento de capital, de lançamento de ações... Nós temos um plano de expansão na Irani. Ela teve uma expansão importante, mas agora tem que dar mais um salto de qualidade. É um projeto que nós chamamos de 2020, que será implantado em etapas, todas com uma estratégia definida, e recursos que passam pelo mercado de ações.
A Irani não recuou deste processo de buscar recursos na bolsa?
Nós chegamos a estar com todo o lançamento de ações prontinho dois anos atrás. Mas houve aquela quebra do mercado ... Por sinal, o mercado de ações no Brasil é do tipo abre-e-fecha. Parecia que era um mercado favorável, mas de repente se fechou, azedou, e nós recuamos. Mas isso não quer dizer que suspendemos o projeto. Apenas temos o hábito de não começar investimentos sem termos alocados os fundos. E o nível do investimento que vamos fazer precisa de um suporte de capital próprio. O mercado de ações ameaçou se abrir de novo, e estamos vendo com nossos banqueiros, com nossos advisors, qual é o melhor momento de fazer a operação.
A quanto chegará esta captação da Irani?
É um projeto bonito. A captação num primeiro momento envolve de R$ 500 milhões a R$ 600 milhões. Na segunda tranche (parcela)são mais R$ 700 milhões. E na terceira tranche mais R$ 1 bilhão. Mas são tranches sem prazo. Tanto que o projeto se chama 2020. Contamos 10 anos à frente desta primeira captação concluir a operação, que originalmente era para começar em 2010. Somos uma empresa que inclusive tem a possibilidade de contar com participações acionárias minoritárias de grupos estrangeiros. Mas, entre as alternativas disponíveis, estamos dando preferência ao mercado de capitais. É uma opção que nos parece melhor.
Por que a prioridade é captar este dinheiro via bolsa?
Porque nos dá uma precificação melhor e uma diluição menor do capital. Em negociações por atacado obviamente não se consegue o mesmo preço que em negociações no varejo. É uma regra universal. Se você vende um produto no varejo, você tem um preço. Se vende no atacado, você tem que que dar o desconto do atacadista. Em linguagem do mercado de ações, esses apoios de private equities são mais onerosos, eles diluem mais o capital do controlador, do que indo a mercado.
Na autocrítica que fez sobre o naufrágio de suas empresas, Eike Batista afirmou que foi um erro recorrer à bolsa para financiar seus negócios porque o mercado de capitais não é apropriado para projetos de longa maturação. O que você pensa a respeito?
Aí você tocou num ponto que faz a diferença. Se você privilegiar nos seus lançamentos de ações o mercado acionário especulativo, você vai colher o que plantou. Nós estamos voltados para o mercado de investidor de longo prazo, o investidor institucional. Aquele investidor que que quer o que o nosso setor de papel e embalagem tem para oferecer. O nosso setor é tradicional, não tem rompantes de crescimento. Ele mais ou menos acompanha o PIB. Para crescer mais que o PIB, em nosso setor, você tem que tomar o mercado de alguém, fazer um investimento novo. E isso é a garantia do investidor de longo prazo, um cara que quer uma ação para receber o dividendo, para ter o crescimento patrimonial desta ação. Ele não quer a, digamos assim, especulação. Não tenho nada contra a especulação. É simplesmente um mercado diferente, um perfil diferente de investidor. O investidor que eu busco é aquele que procura solidez, longo prazo, previsibilidade, gestão, competência, risco baixo ou moderado, capacidade e possibilidade de expansão...
Eike errou na sua estratégia de utilização da bolsa?
Não tenho muito interesse em ficar analisando os negócios dos outros. Já temos nossos problemas para analisar. Mas não me surpreendi com o que li no artigo do Eike. O que ele fez? Ele percebeu um espaço, e apostou em buscar este capital de bolsa, capital acionário, para projetos que realmente teriam uma grande valorização – mas desde que eles se concretizassem. O que é que ele esqueceu? É que há muitos entraves. Um deles, e é apenas um deles, é o fato de tudo o que envolve obter uma licença ambiental neste país. E para qualquer coisa. Para abrir uma lojinha, se estiver a 10 quilômetros de alguma coisa que seja considerada uma reserva ecológica, você tem que consultar o órgão federal... A variante, o vetor, das aprovações ambientais, principalmente em projetos grandes, estão cada vez mais difíceis. Demoram mais tempo. Mas é claro que o aspecto ambiental não é o único fator que causa dificuldades num empreendimento como os de Eike Batista.
Como avalia a atuação dos órgãos de defesa ambiental e a própria legislação em vigor no Brasil?
Sobre a defesa do meio ambiente, entendo que a virtude está no meio. Houve um tempo em que não havia nenhuma política e nenhum cuidado ambiental. Detectou-se que é um erro, que é preciso cuidar do futuro, obedecer a normais racionais de exploração de nossas riquezas naturais, de nosso ambiente, de nosso solo. Mas se passou de um exagero a outro. Existem autoridades – não são maioria, felizmente – que defendem a preservação pela preservação. Eu defendo a preservação, mas com uma visão antropocêntrica. Tudo que nós temos que preservar é o homem. Aí é que entra o conceito de sustentabilidade, com os vetores ambiental, social e econômico. Cada vez que você desequilibrar essa equação, ou uma de suas variáveis, você deixa de ter sustentabilidade. Mas vejo que, em certos setores, houve uma ideologização no trato desses licenciamentos ambientais. E este exagero de algumas autoridades tende a paralisar o crescimento econômico e social. As pessoas precisam morar, precisam trabalhar, precisam ter mobilidade urbana. O homem deve estar no centro do processo. O homem é que é, vamos dizer assim, o titular desse direito sobre a natureza.
Você fez parte de um grupo de empresários detidos no sul, em 2009, em uma operação policial que investigava compra de licenças ambientais. Mas você disse ao jornal Zero Hora que aquela investigação não resultou em processo ou acusação formal.
Aquele foi um não-evento. Concretamente, mesmo, não aconteceu nada, ninguém foi processado. Por isso digo que foi um evento midiático, e não só comigo, mas com um grupo de empresários escolhidos a dedo para criar um impacto midiático. Foi um episódio que teve um pouco de tudo. Um pouco de ideologia. Um pouco de exagero no desempenho de supostas tarefas que em um primeiro momento geram episódios como aquele. Mas não houve processo, não houve sequer inquérito. E foi declarado, publicamente, por um agente do ministério público, que a punição midiática era eficiente. Que a divulgação daquela operação já era uma punição. Em suma, um não-evento, um evento midiático.
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